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Carta IEDI
Edição 1249


Sumário


Muito embora, ao longo da história, algumas políticas públicas possam ser consideradas “missão-orientadas”, o fato é que apenas recentemente iniciativas desta natureza passaram a ser adotadas de modo intencional e deliberado por muitos países no mundo. Isso faz das estratégias missão-orientadas uma inovação institucional para enfrentar os grandes desafios sociais contemporâneos.

Como tudo o que é novo, há dúvidas sobre seu desenho, sua capacidade de mobilização dos agentes privados e de sua eficácia ante os objetivos estabelecidos. Neste sentido, recente estudo da OCDE, que é tema desta Carta IEDI, traz uma das primeiras apreciações sobre a adoção de políticas missão-orientadas em um grupo relevante de países.

O relatório integra a última edição do OECD Science, Technology and Innovation Outlook e, por esta razão, delimita seu escopo de análise às políticas de inovação orientadas a missões, que como o IEDI tem enfatizado, constituem coluna vertebral das novas estratégias industriais adotadas mundo afora. Além disso, há outro recorte: o estudo analisa apenas as ações com objetivo de zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE).

Apesar do seu foco mais restrito, o panorama feito pela OCDE com 30 políticas contendo 83 missões net-zero e implementadas em 20 países-membros indica a complexidade deste tipo de abordagem, seus desafios e armadilhas, e ajuda a colocar em perspectiva a estratégia industrial recentemente divulgada pelo Brasil, que se particulariza por também estar orientada por missões.

Para a OCDE, ações missão-orientadas trazem perspectiva nova e promissora para o enfrentamento de problemas complexos, já que as políticas adotadas nas últimas décadas visando resolver falhas específicas de mercado resultaram em um cenário de governança fragmentado e inadequado para provocar as mudanças sistêmicas necessárias para garantir a transição para uma sociedade de baixo carbono.

As políticas de inovação missão-orientadas (MOIPs) são definidas pela OCDE como um “pacote coordenado de políticas e medidas regulatórias desenhadas especificamente para mobilizar as atividades de ciência, tecnologia e inovação, com o propósito de alcançar objetivos bem definidos relacionados a um desafio social, em um prazo definido”.

Idealmente, as missões net-zero podem contribuir com os seguintes avanços em comparação com as de políticas tradicionais de inovação, de acordo com o estudo:

     •  Orientação mais forte, com objetivos mais claros e consensuais, estabelecendo bases para uma ação coletiva direcionada e coordenada, evitando que as decisões sejam apenas do tipo top-down.

     •  Coordenação mais ampla dos diferentes atores, com arranjos institucionais em distintos níveis de governança, estratégico e operacional, bem como no nível da iniciativa sistêmica ou de missão específica.

     •  Maior integração de vários instrumentos de apoio à inovação já existentes, nas diferentes fases da inovação.

Entre os países-membros da OCDE multiplicaram-se as políticas de inovação que cobrem amplo espectro, indo da pesquisa exploratória até à introdução de novos bens e serviços no mercado, segundo o estudo. Isso evidencia uma maior sinergia entre política de inovação e política industrial atualmente.

A OCDE identifica que em 54% das missões net-zero analisadas há objetivos econômicos, como geração de emprego e aumento da competitividade da economia nacional. Atingir estes objetivos implica competências industriais – além das de ciência, tecnologia e inovação – que introduzam e difundam o desenvolvimento científico e tecnológico net-zero nos hábitos de consumo e nas formas de produção. Ademais, a OCDE também observou que em 60% das missões há objetivos ambientais amplos, para além da redução de emissões de GEE.

A ambição das políticas de inovação net-zero e o fato de a orientação a missões as tornarem mais visíveis, juntamente com os custos fiscais envolvidos, colocam forte pressão política para apresentarem resultados, embora as políticas estejam em fase inicial e geralmente tenham metas para 2030 ou 2050. A OCDE considera, então, que o primeiro passo é avaliar a própria abordagem missão-orientada.

Neste sentido, o estudo encontra nas experiências de política net-zero missão-orientadas uma definição mais clara de objetivos do que nos tradicionais programas de ciência, tecnologia e inovação. Apesar disso, apenas 46% delas apresentam metas específicas, mensuráveis e alcançáveis em prazo determinado (SMART). Em alguns casos, metas e objetivos são combinados em curta “declaração de missão”, inspiradora e ambiciosa, para um prazo preciso.

Em vários casos, objetivos e metas precisas são, em si, um primeiro resultado da própria missão, na maioria das vezes incorporando-os numa agenda estratégica ou plano de ação. Embora os governos ainda desempenhem um papel importante em sua definição, quase sempre são os demais agentes envolvidos que desenvolvem a agenda estratégica, mapeando os diferentes caminhos para o cumprimento dos objetivos.

De acordo com a OCDE, é importante que as agendas estratégicas sejam um “documento vivo”, que evolui regularmente para se adaptar às novas condições internas e externas à própria política.

Quanto à coordenação, o estudo constata que praticamente todas as missões net-zero apresentam um escopo de coordenação significativamente maior vis-à-vis as tradicionais políticas de inovação. Congregam não só as autoridades públicas responsáveis pela P&D&I, mas também diversos ministérios e agências setoriais relevantes.

Órgãos de governança específicos desempenham as funções de coordenação, aconselhamento, tomada de decisão ou monitoramento. No caso de missões mais amplas, estes grupos de coordenação são replicados em diferentes níveis: político, estratégico e operacional.

A governança das missões envolve uma série de reuniões e discussões com um vasto conjunto de atores e, segundo a OCDE, deve encontrar um equilíbrio “sustentável” entre os benefícios da coordenação e os custos de transação envolvidos. A coordenação é uma das principais contribuições das missões, mas também um dos seus principais desafios práticos. Já há casos de ajustes neste quesito, como na Holanda.

O estudo também verificou que, na quase totalidade dos casos, as missões não criam novos instrumentos de política, mas integram os existentes num conjunto coerente aos seus objetivos. Subvenções à P&D&I continuam a ser um dos principais instrumentos, associando-se a outros, com o benefício de fornecer apoio contínuo nas diferentes fases da rota de inovação até à sua introdução no mercado, a exemplo do que estão fazendo França e Noruega.

A OCDE constatou ainda que existe uma percepção generalizada de que são necessárias novas metodologias e processos de avaliação das políticas de inovação missão-orientadas. Muito poucas avaliações puderam ser realizadas até o momento, em geral, usando métodos tradicionais. O estudo, porém, faz algumas apreciações quanto ao escopo das missões, ao seu financiamento e ao seu caráter sistêmico.

Escopo. Para a OCDE, há um paradoxo nas missões net-zero. Se forem muito específicas e bem delimitadas, podem excluir soluções potenciais e deixarem de ser tecnologicamente neutras. Se forem muito “abertas”, podem limitar alinhamento de prioridades, adotar ações dispersas demais para gerar sinergias e desconectar-se dos recursos financeiros disponíveis. Casos de missões net-zero abertas estão evoluindo para uma definição mais estratégica, a exemplo da Suécia e da Irlanda. Ter flexibilidade está se mostrando mais adequado.

Financiamento. Os orçamentos das missões net-zero provêm principalmente das autoridades de C,T&I, a inovação financeira na alavancagem de recursos é limitada e há informações insuficientes sobre os recursos aportados pelo setor privado. Apesar disso, o funding público das missões tem prazos mais longos do que os apoios tradicionais de P&D&I. Em 61% dos casos o prazo médio do funding é de mais de 4 anos e em 38% deles mais de 6 anos. Missões que também apoiam a introdução da inovação no mercado contam com orçamentos muito maiores, como a aceleração do “hidrogênio limpo” e da “descarbonização da indústria” na França.

Sistematicidade. Vis-à-vis as políticas tradicionais de C,T&I, as missões net-zero mostram maior preocupação com a demanda, o que, de acordo com o estudo, é um dos aspectos mais destacados como novidade na política de inovação. Para a OCDE, práticas proativas de gestão de portfólio são necessárias para colher os benefícios sistêmicos das missões, mas requerem recursos significativos, novas competências e novas regras e procedimentos nos ministérios e agências.

O estudo da OCDE defende que o sucesso das missões net-zero dependerá de suas capacidades de se expandirem para além dos programas e orçamentos de C,T&I e de passarem de agendas estratégicas codesenvolvidas para ações conjuntas e coordenadas. O estudo ressalta, todavia, que as recentes iniciativas já geraram aprendizagem importante e começam a se afastar das armadilhas.


Introdução


Com o propósito de atingir metas de zeragem líquida de emissões de gases de efeito estufa e cumprir os compromissos internacionais assumidos para os anos de 2030 e 2050, inúmeros países têm adotado políticas de inovação orientadas à missão (MOIPs).

Esta Carta IEDI aborda o estudo intitulado “Reaching Net zero: Do mission-oriented policies deliver on their many promises”, capítulo do mais recente relatório Science, Technology and Innovation Outlook: Enabling Transitions in Times of Disruption, publicado em 2023 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O referido estudo analisa as contribuições e os impactos das políticas net-zero orientadas por missão vis-à-vis às políticas mais tradicionais de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I).

Com esse intuito, os pesquisadores da OCDE utilizam o arcabouço analítico da “teoria da mudança” para acompanhar e avaliar os efeitos de 83 missões de emissões líquidas zero implementadas em 20 países-membros, das quais 20 foram objetos estudos de caso aprofundados.

Além de examinar os produtos e resultados esperados das missões de emissões líquidas zero, o estudo destaca as armadilhas que essas missões terão de ultrapassar para cumprirem a suas promessas.


Políticas tradicionais e a transição para o carbono zero



As alterações climáticas representam significativos desafios sociais sistêmicos. Muitos países estão tentando traduzir os seus compromissos de emissões líquidas zero em medidas concretas. Contudo, de acordo com a OCDE, até o momento atual, as ações climáticas estão significativamente aquém do necessário para atingir as metas estabelecidas para 2030 e 2050, e assim tentar limitar o aquecimento global a 1,5°C até ao final do século.

Segundo a OCDE, dados da Agência Internacional de Energia (AIE) mostram que as despesas públicas em pesquisa, design e desenvolvimento para tecnologias de baixo carbono como percentagem do Produto Interno Bruto estão estáveis desde 2010. Tendência que coincide com uma desaceleração do patenteamento de tecnologias de baixo carbono nos países-membros da OCDE.

Vários caminhos para limitar o aquecimento global a 1,5°C estão, todavia, disponíveis. Estes caminhos correspondem a várias abordagens de mitigação, com diferentes combinações e cronogramas para o desenvolvimento e difusão de inovações sociais e tecnológicas.

Tanto a difusão das tecnologias atualmente disponíveis, como os novos avanços e a expansão daquelas ainda em laboratório ou em fase de demonstração podem ajudar a alcançar as metas de redução de emissões de GEE para 2030.

Porém, o desenvolvimento e a difusão de inovações sociais e tecnológicas precisam ser combinados com mudanças comportamentais, regulatórias, políticas e sociais em uma vasta gama de domínios, envolvendo diferentes comunidades em vários níveis. Tais mudanças com objetivos semelhantes terão de evoluir conjuntamente para permitir uma transformação sistêmica coordenada em direção à economia verde com emissão líquida zero de carbono.

Na avaliação do estudo da OCDE, as políticas adotadas nas últimas décadas, com instrumentos individuais visando falhas específicas de mercado, resultaram em um cenário de governança fragmentado, exacerbando os problemas de coordenação.

Sem um arcabouço de coordenação dos diferentes modos de intervenção, estas combinações de políticas dispersas se mostraram inadequadas para provocar as mudanças sistêmicas necessárias para garantir a transição para o carbono zero.

De acordo com a OCDE, o reconhecimento das limitações das políticas tradicionais para enfrentar os desafios das mudanças climáticas levou vários países a testarem abordagens políticas sistêmicas que promovem, em vários graus, a colaboração intergovernamental, intersetorial e multidisciplinar na formulação de políticas de C,T&I.

Estas iniciativas consideram os vínculos entre questões que vinham, geralmente, sendo tratadas separadamente em diferentes áreas governamentais para enfrentar um desafio específico. Sob diferentes formas, as experimentações de políticas sistêmicas ocorrem em inúmeros países-membros da OCDE.

Por exemplo, na Noruega, um país onde muitos ministérios setoriais e as suas agências são responsáveis pelas suas próprias políticas de C,T&I, desde 2016, as três agências governamentais reuniram os seus respectivos instrumentos para acelerar o desenvolvimento, o teste e a implantação de novas soluções de energia verde num único esquema integrado (Piloto-E).

Também na França, o programa “Investimentos para o Futuro” (PIA), iniciado em 2010, foi redesenhado em 2020 para se concentrar em áreas tecnológicas específicas por meio de apoio integrado em todas as fases da cadeia de inovação, desde a pesquisa exploratória até à introdução no mercado. Cada uma das chamadas “estratégias de aceleração” tem a sua própria agenda, orçamento e estrutura de governança, com um coordenador interministerial dedicado.

Nos Estados Unidos, várias agências foram igualmente criadas para emular o “modelo DARPA (Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa)”, no qual uma carteira coordenada de projetos é gerida proativamente para resolver desafios complexos relacionados com a energia ou a saúde, entre outros.

Ainda nos Estados Unidos, na área de energia, a dimensão sistêmica destas iniciativas foi reforçada em 2021 mediante a integração de vários programas e esquemas de agências relevantes em “Energy Earthshots”, que adotam uma abordagem de mobilização de toda a comunidade de P&D para enfrentar desafios complexos, tal como a produção de hidrogênio limpo de baixo custo.

Todas essas iniciativas têm em comum, não obstante suas diferenças em termos de enfoque, escopo e desenho, o objetivo de promover ações proativas entre “silos” disciplinares, setoriais e administrativos para enfrentar coletivamente um desafio demasiado complexo para ser resolvido por qualquer medida e/ou instrumento individual. Em geral, tais iniciativas são classificadas como políticas de inovação orientadas à missão (MOIPs).


Políticas sistêmicas de inovação orientadas à missão net-zero


As políticas de inovação missão-orientadas (MOIPs) são definidas pela OCDE como um “pacote coordenado de políticas e medidas regulatórias desenhadas especificamente para mobilizar as atividades de C,T&I, com o propósito de alcançar objetivos bem definidos relacionados a um desafio social, em um prazo definido”.

Estas medidas podem abranger diferentes fases do ciclo de inovação, desde a pesquisa até à demonstração e a difusão no mercado; apresentam uma combinação de instrumentos de incentivo à oferta e de atração da demanda; e abrangem diversos domínios políticos, setores e disciplinas.

Em termos ideais, observa a OCDE, as políticas missão-orientadas podem ser caraterizadas a partir de três dimensões principais:

     •  Orientação estratégica: o principal objetivo das MOIPs é definir objetivos bem aceitos em relação a um desafio complexo a ser enfrentado, estabelecendo bases para uma ação coletiva direcionada e coordenada. Embora as MOIPs ainda sejam muitas vezes erroneamente caracterizadas como iniciativas descendentes (top-down), os seus objetivos só podem ser definidos através do envolvimento e da obtenção de um consenso entre um vasto leque de atores públicos e privados.

     •  Coordenação de políticas: as MOIPs coordenam as estratégias e planos de várias autoridades públicas responsáveis por diferentes componentes - por exemplo, conhecimento, tecnologias, financiamento, competências, regulamentos, mercados -, que são essenciais para alcançar objetivos acordados coletivamente. Estas autoridades públicas pertencem a diferentes domínios políticos, como pesquisa, inovação, e diferentes setores que são os “responsáveis” pelos desafios sociais, incluindo a energia, a mobilidade e a saúde, bem como a diferentes níveis de governança. Os arranjos de coordenação são negociados em diferentes tipos de órgãos de governança em nível estratégico e operacional, bem como no nível da iniciativa global ou de missão específica.

     •  Implementação de políticas: as MOIPs são implementadas mediante uma combinação abrangente de intervenções políticas e diversas iniciativas para apoiar uma série de atividades, desde a pesquisa ao lançamento no mercado e à aquisição das competências necessárias, deliberadamente concebidas para atingir os seus objetivos. De modo geral,  estas políticas não substituem intervenções políticas pré-existentes, mas antes se baseiam nelas e as coordenam para enfrentar um desafio específico.

Segundo a OCDE, todos os sistemas nacionais de inovação incluem muitos componentes que desempenham várias funções relacionadas com estas três dimensões. A principal novidade da abordagem MOIP reside na integração proativa e intencional destes componentes num quadro institucional comum dedicado para enfrentar um desafio selecionado.

Na visão da OCDE, concretamente, uma MOIP é uma “plataforma de ações coletivas” que articula para cada desafio selecionado, uma agenda desenvolvida coletivamente; uma estrutura de governanaça dedicada à tomada de decisões comuns ou mutuamente consistentes e o monitoramento dos seus impactos; e uma combinação de políticas integradas.

No que se refere às MOIPs de emissões líquidas zero, a base de dados da OCDE inclui um total de 83 missões net-zero em 30 iniciativas MOIPs, que estão sendo implementadas em 20 de seus 38 países-membros, mais a União Europeia (ver figura abaixo).

O Reino Unido e a Suécia são os países com o maior número de missões net-zero (nove cada), seguidos por Estados Unidos e Finlândia, ambos com seis missões net-zero. A identificação das iniciativas e missões consideradas pode ser obtida aqui.

De acordo com o estudo, as autoridades públicas de C,T&I responsáveis pela política de pesquisa ou inovação empresarial estão na origem de todas as 30 iniciativas MOIP que incluem missões net-zero. Essas autoridades vêm experimentando e defendendo esta nova abordagem política para enfrentar desafios sociais que apresentam um nível de urgência e complexidade sem precedentes.


Mudança de paradigma


Embora a maioria destas políticas net-zero missão-orientadas ainda se encontre numa fase inicial, já existe, de acordo com o estudo, uma forte demanda política para demonstrar resultados, não só porque a orientação a missões as tornam mais visíveis, mas também porque suscitam grandes expectativas e, por vezes, contam com orçamentos expressivos.

Porém, o conhecimento sobre a extensão, os meios e as condições sob as quais as MOIPs produzem os impactos esperados ainda é limitado, observa a OCDE.

Embora seja impossível avaliar os efeitos de ações que estabeleceram meta para 2030 e que existem há dois ou três anos, a OCDE considera que o primeiro passo é validar a própria abordagem da política. Ou seja, avaliar até que ponto e porquê, a abordagem missão-orientada é um avanço comparativamente às políticas de C,T&I tradiconais e às estratégias já utilizadas.

Com esse propósito, a OCDE desenvolveu uma “teoria da mudança” das missões net-zero, que estabelece a relação causal entre as missões e os seus produtos, resultados e impactos esperados (ver figura abaixo). Foi assim que a OCDE apreciou as 83 missões de emissões net-zero que integram a base de dados da organização, das quais 20 foram objetos estudos de caso aprofundados.



De acordo com o relatório, a OCDE tem estudado e categorizado os diferentes formatos de políticas de inovação missão-orientadas (MOIPS), bem como analisado e avaliado comparativamente os seus principais processos por meio de estudos de casos. No entanto, quase não existem avaliações destas políticas que possam fornecer provas de que cumprem os seus objetivos ambiciosos.

Enquanto em sua concepção mais geral, uma teoria da mudança é um conjunto de convicções sobre como a mudança acontece, no caso das MOIPs, a teoria da mudança procura captar os seus efeitos adicionais além daqueles produzidos pelos instrumentos políticos fragmentados existentes, à medida em que se apoiam e integram as políticas existentes. Uma “teoria da mudança” para MOIPs busca revelar as relações causais entre os problemas que abordam e os seus objetivos, insumos, produtos, resultados e impactos desejados.

Como pode ser observado no quadro abaixo, a “teoria da mudança” net-zero descreve como se espera que as MOIPs produzam os seus impactos em relação direta com as suas características.

Tendo como ponto de partida os príncipios de design das políticas de inovação orientadas à missão, ou seja, a agenda desenvolvida coletivamente, a estrutura de governança dedicada para a coodenação das ações e a combinação integrada de políticas, são apresentadas as relações causais esperadas com as entregas, os resultados (intermediários e finais) e impactos pretendidos.




Diferenciando aceleração e missão transformadora, o estudo destaca dois tipos principais de impacto das MOIPs de emissão zero: transformação sistêmica e aceleração da mudança em direção a uma sociedade verde.


Entregas das políticas net-zero missão orientadas


De acordo com o estudo da OCDE, em relação direta com os seus princípios de concepção, espera-se que as políticas de inovação missão-orientadas apresentem as seguintes entregas:

     a)  uma agenda estratégica desenvolvida coletivamente para enfrentar desafios sociais complexos;

     b)  uma estrutura de governança dedicada para alinhar e monitorar os planos dos vários atores e coordenar ações no sentido desta agenda; e,

     c)  um portfólio consistente de intervenções políticas e regulatórias em diferentes áreas para implementar a missão.

O quadro abaixo sintetiza o resultados encontrados pela OCDE para cada uma dessas três entregas esperadas.




Agenda estratégica para enfrentar um desafio social complexo. Em teoria e de forma ideal, os objetivos de uma política orientada por missão são operacionalizados por metas mensuráveis. Na prática, segundo a OCDE, apenas cerca de metade (46%) das missões net-zero identificadas estabeleceram metas específicas e mensuráveis. Em alguns casos, as metas e os objetivos podem ser combinados numa “declaração de missão”, resumindo numa formulação curta – e se possível inspiradora – um resultado ambicioso a ser alcançado num prazo preciso.

Mesmo nas missões mais intensivas em pesquisa, os resultados pretendidos são o cerne dos projetos e a pedra angular das atividades de pesquisa. Estes objetivos claramente enunciados também funcionam como um “dispositivo de focalização” e um ponto de referência para as interações entre os diferentes atores ao longo da cadeia de inovação e entre as diversas comunidades envolvidas.

De acordo com a OCDE, as missões net-zero estabelecem objetivos comuns, baseadas em hipóteses sobre a evolução de variáveis, em geral, incertas, tais como preços do carbono e da energia, disponibilidade de matérias-primas, geopolítica, capacidade de ultrapassar estrangulamentos científicos e tecnológicos, evolução das percepções e preferências dos usuários, que influenciam estas opções sociotécnicas.

A missão surge assim como um lócus de debates, proporcionando uma plataforma para negociações público-privadas, interministeriais e intersetoriais, com consequências diretas na intervenção pública.

Na maioria dos casos, a agenda estratégica de uma missão é definida utilizando técnicas de mapeamento tecnológico em vez de um exercício de previsão completo. Isto reflete, em parte, a experiência limitada dos países na utilização da previsão na elaboração de políticas.

Além disso, os exercícios de previsão levam tempo e as missões estão frequentemente sob forte pressão política para começarem a funcionar o mais rapidamente possível. Outra razão para o uso limitado da previsão é o escopo centrado na tecnologia de muitas missões net-zero.

A análise das principais justificativas para as missões net-zero mostra que o objetivo de combater as alterações climáticas está sempre interligado com outras ambições ambientais, econômicas ou de saúde. Esta análise é útil, na avaliação da OCDE, para realçar a forma como os países enquadram os seus argumentos a favor das missões, que aspectos eles apresentam como os mais importantes e o que acreditam que as missões os podem ajudar a alcançar.

Todas as missões net-zero visam, por definição, combater as alterações climáticas por meio  da redução das emissões de GEE. Segundo a OCDE, 60% associam os seus propósitos a objetivos ambientais mais amplos e 54% a impactos econômicos, como a criação de empregos e/ou o aumento da competitividade da economia nacional. Estes diversos objetivos refletem principalmente a natureza multidimensional e sistêmica dos desafios sociais.

Em vários casos, os objetivos não são o ponto de partida, mas sim um primeiro resultado da própria missão. Muitas missões começam com objetivos amplos, prioridades ou “áreas de missão”. O primeiro passo da missão é desenvolver ou aperfeiçoar os objetivos, na maioria das vezes incorporando-os numa agenda estratégica ou roteiro. Isto é particularmente verdadeiro nas MOIPs baseadas em ecossistemas, que são iniciadas com um apelo à criação de agendas estratégicas, seguido pela seleção e implementação de algumas destas agendas.

Uma agenda estratégica quase sempre complementa os objetivos e metas iniciais de uma missão para garantir a direcionalidade e consistência das suas diferentes atividades. Estas agendas, sob diferentes denominações e formatos, são fundamentais para a expressão de dinâmicas de cima para baixo e de baixo para cima.

Embora os governos ainda desempenhem um papel importante na fase política de definição dos objetivos e metas da missão, são quase sempre as partes interessadas que desenvolvem a agenda estratégica, mapeando os diferentes caminhos para o cumprimento desses objetivos. O que diferencia estas agendas estratégicas orientadas por missão das estratégias tradicionais é que elas são desenvolvidas, implementadas e monitoradas de forma integrada.

Na avaliação da OCDE, o “valor agregado” específico das missões é que integram a orientação, coordenação e implementação da missão no mesmo espaço institucional. A missão formaliza e torna diretamente “acionáveis” os resultados das negociações. Os diferentes atores podem referir-se diretamente às ações subsequentes para fortalecer as suas posições. E o governo pode vincular o seu compromisso financeiro à concretização dos objetivos da missão, de forma a defender escolhas que incorporem determinados valores sociais, que nem sempre podem estar alinhados com os interesses individuais das empresas ou de outras partes interessadas.

Uma condição subjacente para a eficácia e legitimidade das agendas estratégicas é que estas sejam simultaneamente intencionais, direcionais e flexíveis. De acordo com a OCDE, “as agendas estratégicas devem ser um ‘documento vivo’ que evolui regularmente para se adaptar às novas condições internas e externas”. Esses seriam os casos de algumas missões, como a dinamarquesa de Captura, Armazenamento ou Utilização de Carbono Verde (CCSU) ou as missões do programa japonês Moonshots, que estabeleceram procedimentos para rever as suas agendas estratégicas todos os anos.

Coordenação abrangente com alinhamento e monitoramento holístico dos planos dos vários atores. Nos dias atuais é amplamente aceito que desafios sociais complexos, como a redução das emissões de GEE, exigem uma ampla coordenação intersetorial, justificando a adoção de uma abordagem política orientada por missões.

Segundo a OCDE, a fragmentação política prejudica enormemente a capacidade dos sistemas de inovação de responder adequadamente aos desafios sociais difíceis, como os incluídos na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Praticamente todas as missões net-zero apresentam um escopo de coordenação significativamente ampliado entre os diferentes atores de políticas públicas. Essas missões congregam não só as autoridades públicas responsáveis pela pesquisa e inovação empresarial, mas também diversos ministérios e agências setoriais relevantes. Órgãos de governança específicos desempenham as funções de coordenação, aconselhamento, tomada de decisão ou monitoramento.

Nas políticas mais amplas orientadas por missões, estes grupos podem ser replicados em diferentes níveis: político, estratégico e operacional. Esse é o caso, por exemplo, da missão Cidades Inteligentes e Neutras para o Clima da UE (Missão Cidades), que é liderada por dois gestores de alto nível da Direção-Geral do Ambiente e da Direção-Geral de Pesquisa e Inovação. Além disso, vários grupos e comitês – nomeadamente os “grupos de proprietários de missão” em nível operacional e de direção – coordenam ações entre as 12 Direções-Gerais mais ou menos envolvidas diretamente na missão.

A Missão Cidades da UE também apoia aspectos de coordenação intersetorial dentro de cada uma das 100 cidades selecionadas, que foram solicitadas a desenvolver e assinar um “Contrato de Cidade Climática” (CCC) entre as diferentes cidades parceiras. Estes contratos incluem um plano global de transição para emissões net-zero em todos os setores (energia, edifícios, gestão de resíduos e transportes), juntamente com planos de investimento relacionados.

Esta coordenação holística é uma componente essencial das diretrizes e requisitos comuns que as cidades devem seguir no desenvolvimento destes contratos. Os CCC incorporam e oficializam a dimensão sistêmica de cada cidade participante na missão.

Como já mencionado, a grande maioria das missões net-zero foi iniciada pelas autoridades públicas de C,T&I responsáveis pela política de pesquisa e/ou de inovação empresarial. O estudo de casos aprofundado para 20 dessas missões mostra que todas proporcionaram um espaço institucional e uma plataforma concreta para a coordenação interministerial. Além de liderar as missões, autoridades públicas de C,T&I as financiam e também fornecem a maior parte dos instrumentos de política para as implementar.

De acordo com a OCDE, ainda que os ministérios setoriais e as agências públicas participem da mesa de negociação e deliberação da missão, o que permite decisões mais informadas e holísticas, até o momento, quase não dedicaram os seus próprios recursos financeiros ao esforço coletivo das missões net-zero, que foram objeto de estudo de caso.

Em outras palavras, embora a coordenação das missões net-zero seja ampla e se estenda para além das autoridades públicas responsáveis pela pesquisa e inovação, os orçamentos das missões permanecem em grande parte confinados aos “fundos C,T&I”, o que constitui um desafio para as missões.

O estudo ressalta ainda que coordenação intersetorial das missões não é apenas uma das principais contribuições esperadas das MOIPs, mas também um dos seus principais desafios práticos. Na avaliação da OCDE, esse não é um fenômeno novo.

A coordenação holística foi reconhecida como uma fraqueza fundamental dos sistemas nacionais de inovação, destacada em todas as revisões da política de inovação realizadas pela OCDE e confirmada por outros tipos de avaliação de políticas de C,T&I em âmbito temático, regional ou de iniciativa.

A governança das missões envolve uma série de reuniões e numerosos pontos que devem ser decididos coletivamente por um vasto conjunto de atores. O estudo ressalta que é necessário encontrar um equilíbrio “sustentável” entre os benefícios da coordenação, por um lado, e os custos de transação, por outro. Embora as missões net-zero sejam quase todas muito recentes, algumas já começaram a reajustar este equilíbrio.

Esse é o caso da política de setores-chaves e inovação orientada por missão (MTIP) da Holanda, que opera com uma estrutura de governança muito abrangente, que permite coordenar uma vasta gama de atores em 2 eixos principais, com 9 setores principais e 25 missões, em diferentes níveis (alto nível político e operacional), em vários órgãos de governança (por exemplo, equipes de missão, equipes de setores-chave, grupos consultivos de programas e equipes transversais em várias missões).

Inicialmente bastante elogiada, essa estrutura de governança abrangente da Holanda resultou em um excesso de reuniões, razão pela qual está sendo agora reformada para simplificar esta estrutura de governança e aumentar a sua eficiência.

Articulação e gestão de um portfólio de atividades. Como já assinalado, na própria definição de MOIP adotada pela OCDE, as missões envolvem um pacote de medidas de políticas e regulamentações. Na quase totalidade dos casos, as missões não criam novos instrumentos de política, mas integram os existentes num conjunto coerente para cumprir os seus objetivos.

Na avaliação da OCDE, a transformação social que condiciona a consecução do objetivo carbono zero exigirá uma combinação de diferentes tipos de intervenções para qualquer opção “sociotécnica”.

A figura abaixo apresenta seis categorias de intervenções públicas. Embora variem muito em termos de escala e escopo, as missões net-zero combinam sempre vários destes tipos de intervenção no âmbito de um quadro estratégico e de governança comum.




e acordo com o estudo, as subvenções para atividades de pesquisa e inovação continuam a ser um dos principais instrumentos políticos utilizados para canalizar o financiamento das missões para os parceiros de projetos. Todavia, são acompanhadas por uma série de outras medidas destinadas a apoiar, entre outros, projetos específicos, centros de competência ou de excelência, reformas regulatórias, concursos e prêmios, locais de demonstração, formação ou comunicação e atividades de sensibilização.

O relatório destaca, a título de exemplo, as missões de descarbonização da indústria do Reino Unido que dedicam ações específicas ao fortalecimento de competências. Já a missão dinamarquesa de captura, estocagem ou utilização de carbono (CCSU) realiza estudos para melhor compreender e moldar a aceitação pública destas tecnologias, enquanto, várias missões, como o Motor de Crescimento Finlandês “Green E2”, apoiam o surgimento de novos ecossistemas em torno da missão, que constituem “grupos de interesse” que ajudam a promover as reformas regulatórias necessárias.

Na avaliação da OCDE, uma razão importante para a integração de instrumentos complementares é fornecer apoio contínuo nas diferentes fases da rota de inovação, desde a atividades de P&D até à implantação no mercado.

Uma dessas iniciativas é a missão Pilot-E na Noruega, na qual as três agências responsáveis pela pesquisa e inovação baseada em pesquisa (Conselho de Pesquisa da Noruega), pela inovação e demonstração (Innovation Norway) e pela implantação precoce de tecnologias energéticas no mercado (Enova) se uniram para fornecer um balcão único para projetos de energia sustentável, como navios eficientes com baixa emissão de carbono.

Embora integrem um conjunto mais amplo de instrumentos de políticas, são raras as missões que incluem atualmente instrumentos para apoiar a implantação em massa das soluções recentemente desenvolvidas.

Uma das exceções é a estratégia de aceleração do hidrogênio limpo da França, que compensa os primeiros usuários pelo preço mais elevado do hidrogênio limpo. Isto permite gerenciar e monitorar, num quadro estratégico comum, o equilíbrio a atingir e as complementaridades a explorar entre a pesquisa de novas soluções e a introdução no mercado das soluções disponíveis.

De acordo com o estudo, uma distinção importante entre missões não é apenas o alcance dos instrumentos de intervenção, mas o seu grau  de integração. Ou seja, até que ponto as decisões relativas à sua implementação seguem a agenda estratégica desenvolvida em comum e são monitoradas coletivamente. Em muitos casos, o financiamento e a implementação de atividades são de responsabilidade de agências específicas, que utilizam o seu próprio portfólio de instrumentos conforme às orientações e diretrizes decididas a um nível de governança superior.


Resultados das missões net-zero


Apoiando nas suas três principais entregas examinadas acima, as políticas por missão net-zero devem, de acordo com a OCDE, essencialmente “mirar mais alto”: a) com escopo e nível de ambições mais amplos; b) mobilização de maiores montantes de recursos e maior envolvimento de atores privados e de outras partes interessadas; e c) exploração de soluções inovadoras mais sistêmicas. O alcance da contribuição das missões net-zero para estes três resultados é avaliado resumidamente no quadro abaixo.




Escopo e nível de ambições mais amplos em missões. Na avaliação da OCDE, o escopo de uma missão é um dos fatores mais difíceis de compreender conceitualmente e lidar na prática. Uma razão para isto é o aparente paradoxo no cerne do princípio da missão: as missões devem estar abertas a todas as soluções para um determinado objetivo, mas o enquadramento do objetivo em si influencia enormente a gama de soluções potenciais.

O alcance das opções varia muito de acordo com a posição do objetivo da missão na “rede de problemas”, desde uma missão totalmente aberta, como “resolver as alterações climáticas” até missões mais restritas que abordam a questão das emissões de carbono em determinadas áreas, e mesmo em tecnologias específicas.

Em teoria, o único objetivo específico da missão que não restringiria o leque de soluções potenciais seria “alcançar a neutralidade carbônica até 2050”, sem qualquer menção a qualquer setor ou tecnologia que possa impedir os atores de ajudar a encontrar soluções net-zero nos limites de suas próprias capacidades e experiências. Outra justificativa para a amplitude da missão é que um escopo restrito pode criar dúvidas sobre a neutralidade da missão.

O estudo destaca que na prática, contudo, vários fatores dificultam missões excessivamente “abertas”:

     •  Relevância: alguma delimitação estratégica do problema permite um melhor alinhamento com as prioridades nacionais, que estão relacionadas com compromissos internacionais, bem como uma maior coerência com os sistemas de pesquisa e indústria de um país.

     •  Comensurabilidade: o objetivo de uma missão deve estar alinhado com os recursos e capacidades financeiras nacionais disponíveis. Na maioria dos países, contudo, o enfoque da missão net-zero, que envolve orçamentos e custos de transação significativos, terá de ser reservado para áreas onde o problema é particularmente grave.

     •  Consistência do portólio de opções: uma missão excessivamente aberta pode resultar num conjunto de ações demasiado dispersas para funcionarem sinergicamente. Colher os benefícios esperados das atividades integradas dentro de uma missão requer algum grau de proximidade, seja através de semelhanças ou complementaridades, entre as diferentes opções propostas para resolver os seus objetivos.

O estudo destaca que as primeiras missões abertas já aprenderam com a sua experiência e estão evoluindo no sentido de uma definição menos aberta e mais estratégica dos seus objetivos. Este é, especialmente, o caso dos programas suecos de inovação estratégica e dos regimes de “inovação orientada por desafios”.

Na Irlanda, por exemplo, a Fundação de Ciência (SFI) debateu como determinar o escopo “correto” para as missões no âmbito dos seus novos programas “Challenge Research”. A agência lançou deliberadamente missões com vários graus de abertura para extrair lições sobre esta questão fundamental. O Desafio de Emissões Zero, por exemplo, foi muito aberto, pois visava “apoiar equipes interdisciplinares no desenvolvimento de soluções disruptivas que acelerassem o progresso rumo a emissões líquidas zero de gases com efeito de estufa na Irlanda até 2050”. Já outras missões foram definidas de forma mais restrita, como o Desafio Alimentar ou o Desafio dos Plásticos.

Segundo o estudo, os coordenadores de missão normalmente enfatizam que tentam permanecer mais abertos e flexíveis no que diz respeito ao escopo das soluções sob investigação para tecnologias futuras, uma vez que requerem mais pesquisa exploratória.

Muitas vezes, pode ser melhor colocar a pesquisa exploratória fora da missão ou em subprograma específico com os seus próprios princípios operacionais e governança, ainda que ainda orientado aos objetivos da missão.

Em ambos os casos, independentemente de a pesquisa exploratória estar posicionada dentro ou fora da missão, é essencial estabelecer vínculos institucionalizados entre estas atividades a montante e as atividades “centrais” de desenvolvimento, demonstração e execução da missão.

Na França, por exemplo, no marco das Estratégias de Aceleração, a pesquisa exploratória é conduzida nos Programas e Equipamentos de Pesquisa Prioritários (PEPRs) que estão anexados a uma ou várias estratégias de aceleração para as apoiar.

Os PEPR funcionam como “subprogramas a montante”, integrados nas estratégias de aceleração, mas com os seus próprios princípios operacionais, orçamento e estrutura de governança. Isto proporciona aos PEPR um significativo grau de liberdade para investigar novos caminhos incertos de investigação básica que possam levar a novas soluções para os objetivos das estratégias de aceleração.

Maiores recursos e maior engajamento em missões net-zero. De acordo com o estudo da OCDE, todas as missões com objetivos formais ligados às metas de redução de GEE estabeleceram o prazo final da missão para 2030 ou 2050, em linha com os compromissos internacionais assumidos pelos países.

Ainda que os processos administrativos orçamentários e os ciclos políticos não permitam garantir orçamentos até que tais prazos sejam atingidos, a análise do horizonte de funding das missões mostra que estas beneficiam geralmente de financiamento a mais longo prazo em comparação com os esquemas tradicionais de pesquisa e inovação.

Entre as missões net-zero para as quais existe informação disponível, a maioria (61%) conta com financiamento por mais de quatro anos, em média, sendo que 38% destas recebem financiamento por mais de seis anos.

Para efeitos de comparação, a análise da OCDE dos esquemas competitivos de financiamento da pesquisa mostra que a maioria das bolsas de pesquisa são concedidas por um período de três a cinco anos, embora haja relatos de aumento da duração das subvenções em programas de financiamento mais recentes. O apoio financeiro concedido por períodos mais longos (sete anos ou mais) é mais frequentemente direcionado para “centros de excelência”.

Segundo o relatório, das 60% das iniciativas analisadas para as quais há informações orçamentárias, a maioria conta com orçamentos na mesma ordem de grandeza dos programas tradicionais de P&D&I climáticos em larga escala, mas estão mais bem integrados.

As dotações orçamentárias anuais mais frequentes das missões são de € 1 milhão a € 20 milhões (23 missões, 50%) e de € 20 a € 200 milhões (12 missões, 26%). Já os programas temáticos (“não orientados por missões”) em energias renováveis, tecnologias de captura, armazenamento e utilização de carbono ou as tecnologias de transportes sustentáveis têm orçamentos entre € 5 e € 100 milhões de euros, tal qual a maioria das missões.

Como em outras políticas, a diversidade nos orçamentos das missões se deve principalmente às diferenças globais na dimensão e no nível de desenvolvimento dos orçamentos nacionais de C,T&I. Outro fator importante na determinação da escalas orçamentárias é o escopo da missão.

A dotação orçamentária de uma missão está correlacionada com o seu conteúdo. Em particular, as poucas missões que também apoiam a implantação de novas soluções no mercado requerem geralmente orçamentos muito maiores do que as missões centradas na pesquisa.

Este é o caso das estratégias de aceleração do “hidrogênio limpo” e da “descarbonização da indústria” da França, cujos respetivos orçamentos superam € 1 bilhão por ano e que, como já mencionado, são em grande parte destinados ao fornecimento de incentivos baseados nos preços para a adoção de novas tecnologias mais dispendiosas.

No outro extremo do espectro, o programa de pesquisa irlandês “Zero Emissions Challenge”, que visa incluir a dimensão da demanda nas suas atividades de pesquisa, mas permanece centrado em P&D, conta com um orçamento anual de € 1,5 milhão.

A OCDE ressalta que as missões são demasiado recentes para permitir uma avaliação de sua resistência às diversas restrições orçamentárias, como as vividas após a grande crise financeira internacional de 2008. O provável aperto dos orçamentos nos próximos anos, devido às difíceis condições econômicas relacionadas com a pandemia da Covid-19 e a guerra da Rússia contra a Ucrânia, será o seu primeiro teste de robustez.

Além dos níveis de financiamento, uma dimensão importante é a natureza e a composição dos orçamentos das missões. Segundo o relatório, muitas missões não têm um orçamento específico e são financiadas por diferentes fontes de financiamento. Embora a maior parte do financiamento venha de atores nacionais, a maioria das missões recebe financiamento de múltiplas fontes, apresentando uma “imagem dispersa de recursos de financiamento”.

O estudo destaca que, ao contrário do que se poderia esperar de iniciativas experimentais e ambiciosas, as missões não têm sido apoiadas pela inovação financeira.

Em grande medida, as fontes de financiamento permanecem tradicionais, sem acesso a financiamento por capital próprio, financiamento misto ou outros tipos de parcerias financeiras público-privadas. Contratos de compras públicas inovadores também raramente são utilizados, apesar de alguns protótipos iniciais.

Atrair financiamento na escala certa para apoiar adicionalmente a implantação em massa de novas soluções exigirá a descoberta de novas formas de financiar as missões em um momento em que os orçamentos públicos estão sob pressão.

A incerteza em torno do desenvolvimento das trajetórias para emissões net-zero e, por consequência, na elaboração da agenda estratégica ou roteiro da missão como um “documento vivo” em muitas missões, requer algum grau de flexibilidade financeira. Embora seja preciso existir compromissos financeiros firmes a longo prazo por parte das autoridades públicas, é necessário preservar ao mesmo tempo uma margem significativa para que as mudanças se adaptem aos novos desenvolvimentos internos e externos.

Na avaliação da OCDE, dadas as rígidas regras públicas, orçamentárias e contábeis  existentes, uma solução para assegurar algum grau de flexibilidade financeira seria comprometer uma parte do financiamento anunciado e reservar outra parte para ser concedida sob certas condições, nomeadamente, a capacidade de formar uma parceria ampla e sólida que reúna as capacidades e recursos necessários para cumprir os objetivos da missão.

Mais inovação sistêmica em missões net-zero. Comparativamente às políticas tradicionais de C,T&I, a revisão sistemática das missões net-zero mostra maior preocupação com as condições da demanda, segundo a OCDE. Em muitos casos, as missões tendem a ser plataformas eficazes para a articulação da demanda no contexto específico de desafios sociais sistêmicos e complexos.

De acordo com o estudo, a natureza da missão orientada pela demanda é um dos aspectos mais frequentemente destacados como uma novidade da abordagem de política de inovação orientada por missão. O quadro abaixo mostra que existem vários meios para articular exigências em missões em diferentes fases do seu ciclo de vida, desde a definição da missão até monitoramento e avaliação.




Durante as fases iniciais de definição dos objetivos e metas, as missões utilizam diferentes meios, como workshops e plataformas de consulta, comitês e estudos, para determinar e integrar os interesses da sociedade e as opiniões dos vários atores e partes interessadas. Por meio destes vários canais, as dimensões da demanda e da utilização são incorporadas nos objetivos e metas da missão, desde o momento da sua formulação.

Embora os objetivos da missão possam, por vezes, ser orientados por considerações políticas, em muitos casos, o desenvolvimento das agendas estratégicas é o principal canal para a integração das dimensões da demanda. Segundo a OCDE, isto é especialmente verdadeiro para as MOIPs baseadas em ecossistemas, que mobilizam  grandes comunidades de atores, inclusive do setor privado.

A governança da missão também pode servir como um canal para conexão de forma mais contínua à comunidade de usuários potenciais e às diversas partes interessadas. Mesmo se estas estruturas de coordenação envolvam na maioria das vezes representantes de diversas autoridades públicas, a presença de ministérios ou agências setoriais pode ajudar a integrar a dimensão da utilização nas missões.

Durante o curso da implementação, algumas missões, mesmo as mais intensivas em pesquisa, integraram o apoio político nas fases a montante e a jusante da cadeia de inovação ao nível do projeto. Por exemplo, na missão irlandesa net-zero (programa “Challenge Research”), os candidatos aos projetos são fortemente encorajados a incluir usuários na proposta. Embora não seja obrigatório, é claramente recomendado.

Dependendo dos objetivos de uma missão, a sua combinação de políticas sob medida apoia uma vasta gama de atividades, desde a pesquisa básica até a implantação, capacitação, comunicação e sensibilização. Contudo, o valor adicionado da abordagem de missão não reside apenas na diversidade de atividades que abrange. A missão permite, sobretudo, uma maior consistência no conjunto de projetos orientados para a consecução dos seus objetivos e muitas vezes guiados por uma agenda estratégica específica.

O estudo da OCDE traz o exemplo do Centro de Competência Atmosférica e Climática (ACCC), um programa emblemático na Finlândia que visa mitigar as alterações climáticas mediante o aumento do sequestro de carbono nas florestas e no solo e melhorar a qualidade do ar global.

O consórcio ACCC reúne três universidades e um instituto de pesquisa, e mais de 40 partes interessadas importantes. A missão sustenta um conjunto diversificado de atividades, que vão desde educação, pesquisa e programas de impacto, até o engajamento e ciência cidadã, passando pelo desenvolvimento de soluções e prototipagem.

Na avaliação dos pesquisadores da OCDE, praticamente a totalidade das missões net-zero analisadas ilustra a adicionalidade da abordagem das políticas de missão de inovação comparativamente às políticas tradicionais mais fragmentadas, quando se trata de conceber e dirigir um conjunto consistente de atividades para um objetivo comum. Como já assinalado, as missões introduzem de forma sistêmica diversas suas competências com distintos enfoques, incluindo aspectos sociais, jurídicos, comportamentais e educacionais.

Algumas missões net-zero acrescentam novos critérios formais aos critérios tradicionais de seleção de atividades, como a excelência, relevância e experiência da equipe, a fim de captar a contribuição esperada de cada projeto para os objetivos da missão. Muitas iniciativas MOIP adotam práticas de gestão de portfólio proativas e se envolvem em interações frequentes com parceiros de missão, inclusive durante as chamadas de propostas.

No entanto, segundo o relatório, esta nova abordagem ainda está na sua infância e existem poucos estudos comparativos precisos sobre as diferentes formas de avaliar a “adequação” de um portfólio de missões dentro de um determinado projeto.


Armadilhas das políticas de inovação missão-orientadas


Na avaliação da OCDE, o sucesso das políticas de inovação missão-orientadas (MOIPs) net-zero pode ser comprometido por dois tipos de armadilha: a “armadilha apenas C,T&I” e a “armadilha do direcionamento”.

No que se refere à “armadilha apenas C,T&I”, o estudo destaca que as missões net-zero são mais amplas em escala e abrangência do que os programas tradicionais, mas mantêm o enfoque em “inovação tecnológica” definida de forma mais ou menos restrita.

Ainda que a inovação social nessas missões seja muito mais proeminente do que em noutras iniciativas de C,T&I , as componentes sociais nas missões net-zero ainda são bastante limitados, o que restringe o potencial transformador dessas missões.

Mesmo nos países que adotaram missões mais amplas e ambiciosas, um exame mais atento dos dirigentes e dos compromissos financeiros mostra que, na prática, também são financiados estritamente com “recursos C,T&I” e pertencem a programas com mandato de C,T&I. Isso leva, segundo a OCDE, a indagar onde as missões que visam transformar os sistemas sociotécnicos para alcançar o objetivo de neutralidade de carbono devem ser ancoradas nas estruturas governamentais.

As três principais opções seriam: autoridades públicas de C,T&I (pesquisa e/ou inovação), “proprietárias do desafio” (autoridades setoriais) ou centro do governo (presidente, primeiro-ministro ou gabinete). Embora isto não se aplique a todos os contextos institucionais nacionais, o estudo considera o posicionamento da liderança da MOIP “acima dos ministérios” como relevante para aumentar o seu nível de ambição e alargar o seu âmbito sistêmico para além das autoridades de C,T&I.

Esta opção é também mais compatível com orçamentos plurianuais integrados provenientes de diferentes fontes, (incluindo orçamentos centralizados e “fundos comuns”) em todos os domínios políticos. Nas missões net-zero ambiciosas, a OCDE considera igualmente importante reforçar a adesão política de alto nível e a participação cidadã.

Na França, por exemplo, as estratégias de aceleração oferecem um modelo diferente de missões institucionalizadas. Essas estratégias são lideradas por uma agência autônoma ligada ao gabinete do primeiro-ministro, com forte apoio do presidente e um orçamento dedicado cobrindo um amplo portfólio sistêmico de ações ao longo de diferentes gerações de soluções sociotécnicas.

Em relação à “armadilha do direcionamento”, o estudo salienta que cada missão criou estruturas de governança holísticas dedicadas, sob as quais uma série de decisores políticos de diferentes setores alinham os seus planos e monitoram as suas ações em relação à agenda estratégica da missão. Ainda que, até o momento, a maioria das missões net-zero tenham tido sucesso na definição de agendas estratégicas e na criação de estruturas de governança, as provas de uma execução coordenada conjunta continuam, contudo, a ser raras e limitadas.

Nas missões baseadas em ecossistemas, contudo, que são menos direcionais e empoderam os parceiros para definirem as suas próprias agendas, uma parte significativa dos recursos é dedicada à formação do próprio ecossistema de parcerias, apoiando o trabalho em rede, a coordenação e o planejamento. No entanto, os grandes recursos financeiros necessários para a P&D, e especialmente para a expansão e comercialização no mercado, são fornecidos através de instrumentos tradicionais que por vezes ficam fora da esfera holística da tomada de decisões e da influência da missão. Nos casos de grandes missões nacionais, o vínculo com a execução pode ser igualmente enfraquecido, devido à falta de coordenação nas missões “guarda-chuva” amplas e diluídas.


Conclusões



Na avaliação da OCDE, as missões net-zero representam, na maioria dos casos, uma melhoria acentuada em relação às combinações tradicionais de políticas de C,T&I. As missões permitem diferentes combinações de objetivos comuns e agendas estratégicas e uma maior ênfase em objetivos comuns, uma coordenação mais ampla de planos políticos entre instâncias administrativas e uma maior integração de vários instrumentos de apoio nas diferentes fases da cadeia de inovação. No entanto, a OCDE alerta que estas melhorias não serão suficientes para ampliar e implementar estas inovações em grande escala.

As missões net-zero concentram-se na inovação tecnológica. No essencial, continuam a ser liderados pelas autoridades da C,T&I, confiando quase exclusivamente nas intervenções políticas e nos orçamentos da C,T&I. Embora as autoridades políticas e regulatórias setoriais participem na estrutura de governança das missões e possam compartilhar informações e, em certa medida, influenciar as decisões, elas ainda não contribuíram com os seus próprios recursos e programas para as missões.

Para provocar as mudanças transformadoras necessárias para atingir o objetivo de emissões net-zero, em vez de simplesmente reduzir as sobreposições e acelerar a inovação tecnológica, estas as missões exigirão investimentos de uma escala e âmbito muito maiores do que os orçamentos da C,T&I. Também será necessário equilibrar, alinhar e acompanhar a implantação em massa destas inovações com soluções para promover mudanças sociais e comportamentais, o que é um pré-requisito para reduzir, de forma rápida e significativa, as emissões de GEE.

Na visão da OCDE, o sucesso das missões net-zero dependerá da sua capacidade de se expandirem para além dos programas e orçamentos de C,T&I e de passarem de agendas estratégicas co-desenvolvidas para ações conjuntas, superando as “armadilhas de apenas C,T&I e do direcionamento ”. O estudo ressalta, todavia, que as recentes iniciativas experimentais e de missões piloto existentes, com atividades significativas de autorreflexão, já geraram aprendizagem importante e começam a afastar-se destas armadilhas.

A maioria das missões net-zero teve sucesso na definição de objetivos e metas legítimos e potentes, bem como na elaboração de numa agenda estratégica sistêmica amplamente compartilhada para cumprir os seus objetivos. Contudo, é menos claro se a agenda estratégica influencia realmente a tomada de decisão coletiva sobre a alocação orçamentária e a execução de políticas.

Segundo a OCDE, para além da questão da influência das missões nas políticas públicas, sua implementação dependerá da sua capacidade de mobilizar o setor privado, que terá de fornecer enormes recursos para financiar e se envolver como um agente-chave de mudança nas transições para a sustentabilidade.

No estágio atual das missões, os formuladores das MOIPs ainda se concentrem no financiamento público e na coordenação interministerial. Porém, o teste final das missões será obter contribuições e compromissos financeiros de empresas e investidores privados.


Fonte: https://www.iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_1249.html



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