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Alavanca creditícia: sem potência em 2023
Carta IEDI
Edição 1256
Sumário
O crédito, quando ofertado em condições adequadas e utilizado com responsabilidade, é uma poderosa alavanca do crescimento econômico, pois permite aos agentes econômicos a realização no presente de seus projetos, seja de investimento, seja de consumo, gerando demanda às atividades produtivas.
De acordo com os dados coletados pelo BCB, as condições creditícias do Brasil permaneceram pouco favoráveis a esta dinamização da atividade econômica ao longo da maior parte de 2023. Muito disso devido à diretriz de política monetária, que para combater a inflação, aumentou juros, buscando estreitar o crédito e, consequentemente, a demanda da economia.
No final do ano, contudo, houve sinais incipientes de melhora, que podem ganhar robustez com a tendência de queda das taxas de juros e com medidas de política pública, além dos desdobramentos positivos advindos do mercado de trabalho.
No acumulado jan-dez/23, as contratações de crédito bancário novo registraram aumento de +4,8%, já descontada a inflação, apresentando expressiva desaceleração frente à evolução de 2022, quando a alta havia sido de +21,1%. Com este baixo dinamismo, o estoque de crédito do país não se ampliou como proporção do PIB, mantendo-se em dez/23 no mesmo patamar de dez/22: 53,2%.
Esta desaceleração está vinculada ao repasse para as taxas de empréstimos dos sucessivos aumentos da taxa básica de juros, a Selic, pelo Banco Central, do final de 2021 a meados de 2022. Em termos nominais, a Selic ficou em seu máximo de 13,75% ao ano de set/22 a ago/23. Outros fatores condicionantes foram a maior aversão a riscos devido à fraude contábil nas lojas Americanas e o aumento da inadimplência, sobretudo, de pessoas jurídicas.
Com isso, os juros médios dos empréstimos a empresas e famílias subiram no período, passando de 14,7% a.a. para 27,4% a.a. entre jun/22 e jun/23, já descontada a inflação no período. Uma desaceleração mais rápida da inflação do que a redução da taxa básica de juros pelo Banco Central ensejou este aumento dos juros reais aos tomadores finais.
Como principal alavanca das concessões em 2023, destacam-se as operações junto às famílias no segmento em que as condições do crédito são livremente pactuadas entre as partes. Registraram alta de +9,3% em jan-dez/23 frente ao ano anterior. Incluindo também as operações de crédito direcionado, o total de concessões às famílias subiram +8,8%.
As operações livres, que representam cerca de metade do total de crédito bancário novo, em geral são aquelas em que taxas de juros e spreads são mais elevados, sobretudo nas contratações às pessoas físicas, e, por isso, representam maior retorno aos credores.
Alguns comentários sobre este desempenho. Em primeiro lugar, modalidades mais arriscadas, foram as que mais se desaceleraram, indicando a maior aversão a riscos dos bancos. As concessões reais de crédito pessoal não consignado chegaram a encolher -3,8% em jan-dez/23. O rotativo do cartão de crédito e o cheque especial, onde as margens de retorno são maiores, pisaram no freio, mas seguiram no positivo.
Montantes pré-aprovados e famílias em busca de rolagem de dívidas atrasadas podem ter favorecido a expansão destas duas últimas modalidades, mais caras ao tomador. Ademais, cabe ressaltar o papel estratégico que a emissão de cartões vem desempenhando na dinâmica concorrencial, em especial aos novos entrantes, como as fintechs. Entre 2019 e 2022, o Banco Central estima que dobrou o número de cartões ativos no país.
Em segundo lugar, a expansão de crédito às famílias pode ter sido desigual, já que a maior parte daqueles com problemas com dívidas antigas, e logo, pior avaliação de risco, são de baixa renda. Segundo o Observatório do Sistema Financeiro da UFRJ, a inadimplência de tomadores de até dois salários mínimos era cerca de 40% maior do que daqueles de três a cinco salários.
Em terceiro lugar, o aumento das taxas de juros fez com que a trajetória de redução gradual do endividamento das famílias, a partir de meados de 2022, não se traduzisse em queda do comprometimento do serviço desta dívida como proporção da renda, pelo menos até jun/23.
O endividamento agregado das famílias recuou de 50% de sua renda acumulada em doze meses para 48,2% entre jul/22 e nov/23, mas houve aumento do comprometimento com serviço de dívida de 27,3% em jul/22 para 28,4% em jun/23, recuando em seguida para 26,5% em nov/23. Isso é um limitador das decisões de consumo das famílias.
No 4º trim/23, isoladamente, as concessões totais às famílias cresceram +9,1% ante o 4º trim/22, em boa medida pela expansão das operações oficiais de financiamento imobiliário, estimuladas pela fase de redução da taxa Selic, mas também pela retomada de programas como o Minha Casa Minha Vida.
A segunda modalidade de crédito que mais cresceu em 2023, além das operações livres às famílias, foram as operações direcionadas às empresas, cujas concessões subiram +17% frente ao acumulado de 2022.
Apesar da expansão, este crédito oficial representa muito pouco do crédito bancário novo do país: cerca de 4% do total de concessões e 9% ao agregado das concessões às empresas. De todo modo, é uma fonte estratégica de financiamento, já que conta com linhas de prazos mais longos e custos, em geral, menores do que os do segmento livre do mercado.
Entre as modalidades do direcionado às empresas, as concessões de crédito rural (+25,2%), imobiliário (+23,4%) e a categoria outros (+24,5%), que inclui o Pronampe, foram as que mais cresceram em 2023. Os financiamentos direcionados pelo BNDES, por sua vez, variaram somente +0,7%, impulsionados pela modalidade capital de giro.
Cabe observar que os desembolsos totais do sistema BNDES, isto é, suas operações diretas e indiretas, cresceram +17,3% em 2023, segundo os dados do próprio banco, cuja metodologia de cálculo difere daquela do Banco Central. A indústria de transformação respondeu por 18,9% dos R$ 114,1 bilhões desembolsados no período, uma redução de participação de -0,5 ponto percentual em relação a 2022.
Já o crédito em condições livremente pactuadas entre credores e as empresas demandantes, encolheu -1,3% em 2023. Além de mais sensíveis aos níveis da taxa básica de juros, estas operações também responderam mais ao impacto negativo da aversão a riscos provocada pela crise nas lojas Americanas no ano passado, bem como da multiplicação de falências no setor corporativo.
Como as operações livres representaram 91% das concessões totais às empresas, seu retrocesso condicionou a virtual estabilidade do agregado do financiamento corporativo em 2023: +0,1% ante uma alta de +22,2% em 2022. Da mesma forma, sua reação no final do ano foi decisiva para fazer o crédito novo total às empresas se expandir +5,8% no 4º trim/23 ante o 4º trim/22.
Diante desta evolução, vale observar que, segundo os dados do Banco Central, o mercado de capitais brasileiro segue ampliando sua importância como fonte de financiamento às empresas, sobretudo as de grande porte, que têm mais acesso a este circuito de crédito.
O crédito ampliado ao setor empresarial – que nas estatísticas do Banco Central é contabilizado por meio de seu estoque e não de concessões –, além do crédito bancário, também soma os recursos capitados no mercado de capitais via debêntures, notas comerciais, CRI, CRA e FDIC. Seu montante, em termos reais, subiu +6,9% em 2023, impulsionado pelo avanço de +21,3% dos títulos de dívida detidos por residentes.
Com isso, os títulos de dívida direta passaram a responder por 42,8% no final de 2023 (ante 39,5% em 2022) do crédito ampliado concedido às empresas no mercado doméstico e chegaram a representar 29,5% do estoque total do crédito ampliado corporativo, com avanço de 3,5 p.p. frente ao ano anterior.
Crédito ampliado ao setor privado não-financeiro
De acordo com as estatísticas de crédito do Banco Central do Brasil, o estoque de crédito ampliado ao setor privado não financeiro atingiu R$ 9,3 trilhões no 4º trimestre de 2023 (R$ 8,9 trilhões descontada a inflação medida pelo IPCA).
Esse conceito de crédito inclui tanto o saldo das emissões de títulos de dívida e das operações de crédito bancário contratadas pelas empresas e pelas famílias no mercado financeiro doméstico como o saldo da dívida externa, resultante das captações de recursos junto a não residentes, mediante a contração de empréstimos e da emissão de títulos de dívida.
Na comparação com igual trimestre do ano anterior, o estoque do crédito ampliado ao setor privado não financeiro registrou variação real de 8,8% no período de outubro a dezembro de 2023, quando deflacionado pelo IPCA.
Nessa base de comparação, a evolução do saldo do crédito ampliado ao setor privado continuou se arrefecendo, com recuo da ordem de -2,1 pontos percentuais (p.p.) no 4º trimestre frente ao trimestre imediatamente anterior, devido, sobretudo, à desaceleração do crescimento das operações de crédito com as empresas (-2,4 p.p.) um pouco mais intensa do que a verificada no estoque do crédito destinado às famílias (-1,8 p.p.).
Em porcentagem do PIB, o saldo total do crédito ampliado ao setor privado não financeiro atingiu (86,1%), com ligeira queda de 0,2 p.p. frente ao 4º trimestre de 2022 e incremento de 0,5 p.p. em comparação com o trimestre imediatamente anterior (85,6%).