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Comunicação > Notícias Exportações brasileiras em 2023: entre a supersafra e a desaceleração do comércio global

Carta IEDI
Edição 1257


Sumário


O saldo de comércio de bens da economia brasileira atingiu o valor recorde de US$ 98,8 bilhões, em 2023, e o IEDI vem analisando o perfil deste destacado desempenho. A Análise IEDI de 01/03/24 enfatizou o papel da supersafra de grãos e a contração das importações para este resultado e a Carta IEDI n. 1252 mostrou que a redução do déficit da indústria também ajudou, mas que apenas os ramos de alta tecnologia ampliaram exportação, mantendo-se aquém do patamar pré-pandemia.

Esta edição da Carta IEDI aborda o comércio exterior de bens em seu conjunto, isto é, inclusive os fluxos da agropecuária e do ramo extrativo, tanto em valor como em quantidade, e os principais destinos de nossas vendas externas.  

O aumento do saldo da balança total de bens foi de +60,8% em relação a 2022, o que equivale a cerca de US$ 37 bilhões adicionais de superávit. Disto 85% foram obtidos pela queda de nossas importações e apenas 15% pelo progresso de nossas exportações.

Frente a 2022, as importações de bens recuaram -11,7% no acumulado do ano passado, o que foi condicionado sobretudo pela evolução do preço médio do que compramos do exterior, já que em quantidade a variação foi de -2,6%.

Trimestre após trimestre as compras externas do país regrediram, chegando a -19,6% no 3º trim/23. Esta queda foi levemente atenuada no 4º trim/23: -11,5%, sempre em relação ao mesmo período do ano anterior.

O Brasil importou cerca de US$ 31,8 bilhões a menos entre 2022 e 2023 e quem mais contribuiu para isso foi a indústria de transformação, respondendo por uma parcela 76% desta redução de bens importados. Isso é uma consequência do baixo dinamismo do setor no ano passado, bem como do investimento, já que há muitos insumos e bens de capital que são importados. Como discutido na Carta IEDI n. 1248, a produção física da indústria de transformação encolheu -1% em 2023.

Apesar desta contribuição industrial, o ritmo de declínio dos demais setores foi mais intenso, por estarem mais suscetíveis à influência das evoluções dos preços internacionais de commodities, que recuaram até meados do ano passado.

As importações da indústria extrativa foram as que mais caíram: -27% em valor, ainda que a variação em quantum tenha sido a mais branda de todas: -2,1% na comparação com o agregado do ano anterior. Na origem disso, está o preço de commodities energéticas, cujo índice calculado pelo FMI, apontou queda de quase -27% no período.

As importações da agropecuária, por sua vez, caíram -21,0% em 2023, mais influenciadas pela quantidade (-15,4%) do que pelo efeito-preço, ainda que o indicador do FMI para commodities agrícolas também tenha registrado pequena redução no ano passado (-1,2%).

Para os bens de indústria de transformação a queda de importados foi de -10%, sendo que, em quantidade, a variação foi quase quatro vezes menos intensa (-2,7%). O recuo no preço de combustíveis, bem como de outros produtos químicos, como fertilizantes, esteve na origem desta diferença de ritmo. O último trimestre do ano passado trouxe pouca mudança: -9,8% em valor e -2,4% em quantum, sempre em comparação com 2022.

Quanto às exportações, a indústria de transformação também se destaca por ter sido o único setor a apresentar queda tanto em valor (-2,3%) como em quantum (-0,9%). A agropecuária, como dito anteriormente, foi quem mais ampliou vendas externas: +9,0% no acumulado de 2023, condicionadas pelo aumento da quantidade exportada (+23,4%), decorrente do escoamento da supersafra.

No ramo extrativo, assim como na agropecuária, as exportações avançaram a despeito da evolução adversa dos preços: +3,5% em valor e +16,2% em quantum. Cabe mencionar o reforço da demanda chinesa, decorrente da aceleração da expansão do seu PIB (de +3,0% em 2022 para +5,2% em 2023, segundo o FMI), levando a um aumento de +15,1% de suas compras da indústria extrativa brasileira.

O desempenho das exportações brasileiras, notadamente as da indústria de transformação, esteve associado à expressiva desaceleração mundial do comércio e do PIB em 2023, com efeitos negativos sobre os preços de commodities, à perda de dinamismo da produção industrial mundial, bem como ao desempenho de alguns mercados importantes para nossas vendas de manufaturados.

Na atualização do cenário realizada em jan/24, o FMI avalia que o volume do comércio internacional de bens e serviços variou tão somente +0,4% em 2023 ante uma expansão de +5,2% em 2022. Ou seja, um desaquecimento bem mais intenso do que se esperava no início do ano passado, para +2,4% no cenário de abr/23. E embora os riscos de “hard landing” tenham se reduzido ao longo do ano, o PIB mundial em 2023 cresceu menos do que em 2022 (+3,1% ante +3,5%, respectivamente), em um contexto de aperto da política monetária nas principais economias avançadas e emergentes.

Cabe enfatizar que o impacto negativo da perda de dinamismo do comércio mundial em 2023 somente não foi maior devido à defasagem entre os contratos de exportações e os embarques.

No caso das exportações da nossa indústria de transformação, em específico, também agravou o quadro o menor crescimento do setor no mundo, de cerca de +1,1% em 2023, o equivalente a quase 1/3 do resultado de 2022, especialmente em ramos de menor intensidade tecnológica, como discutido na Carta IEDI n. 1246, cujos produtos são expressivos na pauta exportadora da nossa indústria (Carta IEDI n. 1252).

Há também que se considerar o mau desempenho de alguns dos mercados importadores de bens da indústria brasileira, com destaque para a Argentina, cujo PIB encolheu -1,1% em 2023, segundo o FMI, e para onde nossa indústria de transformação exportou 3,8% menos do que em 2022. Outro exemplo é a União Europeia, cujo PIB desacelerou de +3,6% para +0,6% entre 2022 e 2023, contribuindo para que as exportações da indústria de transformação do Brasil recuassem -6,3% no período.

Dentre os 23 ramos da indústria de transformação identificados, poucos foram aqueles que conseguiram aumentar seus embarques em 2023: somente 12 deles contra 21 ramos em 2022. Com isso, as exportações do setor tornaram-se ainda mais concentradas.

Apenas 3 ramos – alimentos, metais básicos e automóveis –  responderam por 57,2% do total das exportações da indústria de transformação em 2023 ante 56,1% em 2022. Tal aumento não vem de agora, mas marca a evolução das últimas décadas. Em 2000, os 3 ramos mais exportadores da indústria – exatamente os mesmos citados anteriormente – representavam 41,9% dos embarques do setor.

Vale notar que dois destes ramos consistem em etapas iniciais de transformação industrial de commodities que o país produz e está justamente entre eles o fator de ampliação de participação. O ramo de alimentos ampliou sua parcela de 16,8% em 2000 para 35,3% em 2023; metais básicos ficaram relativamente estáveis, com 13,3% e 13,8%, respectivamente, enquanto o ramo automobilístico encolheu sua participação de 11,9% para 8,1% neste período.

Esta evolução sugere que o processo de reprimarização da nossa pauta exportadora, que fez o peso da indústria de transformação no total exportado recuar de 83% em 2000 para 52% em 2023, também foi sentido no interior da própria indústria de transformação.

Diante deste quadro é oportuno lembrar de algumas conclusões de um estudo do MDIC divulgado no ano passado, que foi tema da Carta IEDI n. 1219. O estudo, com base em dados de 2020, mostra que apenas 0,88% das empresas brasileiras exportam, sem que a indústria de transformação representava 65% delas, bem à frente do setor extrativo (1,4%) e da agropecuária (2,0%), e que a probabilidade de uma empresa industrial começar a exportar em até 10 anos de sua abertura (4%) era quatro vezes maior do que a média geral (1%).



Resultados gerais


Esta Carta analisa o desempenho do comércio exterior brasileiro de bens em 2023, detalhando sua evolução por valor, destino, grandes setores, quantum exportado e importado, com ênfase nas exportações da indústria de transformação com base nos dados do Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio (MIDC). Nesta edição, será detalhado a evolução anual, com destaque para o 4º trimestre do ano.

O saldo de comércio de bens da economia brasileira somou US$ 98.838 milhões em 2023, cifra 60% superior à registrada em 2022 e recorde histórico. Este resultado constrata com o registrado em 2022, quando o saldo manteve-se praticamente estagnado na mesma base de comparação (+0,2% contra 2021). Este excelente resultado decorreu, sobretudo, do recuo de 11,7% das importações, já que as exportações avançaram somente 1,7%.




Fatores externos e internos explicam essa evolução. Do lado externo, a economia global desacelerou ainda mais em 2023, afetando negativamente nossas exportações. As estimativas recentes das Nações Unidas e pelo Banco Mundial, apontam para um crescimento mundial de, respectivamente, 1,9% e 2,6% no ano passado contra 3,0% em 2022 e 6,2% em 2021 – ano da recuperação após a pandemia do Covid-19. A atualização de jan/24 do cenário do FMI, por sua vez, indica alta de 3,1% em 2023 ante 3,5% em 2022.

Esta perda de dinamismo foi resultado, sobretudo, do aperto da política monetária na maioria das economias avançadas e de mercado emergente e em desenvolvimento para combater a inflação associada, por sua vez, aos múltiplos choques externos de natureza conjuntural e estrutural desde 2020. O choque do Covid-19 foi sucedido pela guerra da Ucrânia e pelo agravamento da crise climática que desencadearam uma alta dos preços das commodities e perturbações no comércio mundial.

Neste contexto, a taxa de crescimento do volume do comércio internacional também seguiu em trajetória descendente. Após ter caído pela metade em 2022 (5,5% contra 11% em 2021), as estimativas das mesmas instituições indicam uma desaceleração praticamente na mesma intensidade em 2023, variando de uma contração de 0,4% (Nações Unidas) para uma expansão de 0,2%. Para o FMI, o volume do comércio de bens e serviços em 2023 variou apenas 0,4%.



Os preços das commodities também foram afetados pela desaceleração global. O índice de commodities não-energéticas do FMI em nov/23 recuou 15,4% frente a dezembro de 2022. Todavia, o desempenho foi bastante heterogêneo entre as principais categorias. Enquanto o índice de commodities não-energéticas recuou 2% - refletindo uma queda de 1,2% dos preços das commodities agrícolas e alta de 2,2% dos preços dos metais básicos -, o índice de commodities energéticas caiu 26,6%. Contudo, entre julho e outubro, observou-se uma retomada dos preços dessas commodities.




Do lado interno, a economia brasileira também desacelerou no ano passado, sendo que a perda de ritmo se intensificou no segundo semestre, como detalhado na Análise IEDI de 01/03/2024. Ja´ corrigidos os efeitos sazonais, a variac¸a~o do PIB brasileiro recuou de +1,8% no primeiro semestre para +0,4% no segundo semestre, sempre em relação ao período imediatamente anterior. Frente ao mesmo peri´odo do ano anterior, o resultado foi de +3,8% e +2,0%, respectivamente.

Ao lado dos menores preços das commodities, o menor dinamismo da demanda doméstica e sua composição resultaram na contração do valor das importações – que reflete, sobretudo, as retrac¸ões  do investimento (-3,0% no acumulado de 2023) e da indu´stria de transformac¸a~o (-1,3%), já que bens intermediários e capitais têm uma alta participação nas compras externas brasileiras.

A variação trimestral frente ao mesmo período do ano anterior evidencia o impacto da desaceleração nas importações ao longo do ano. Após um recuo de somente 0,5% no 1º trimestre, a contração foi de 12,9 no 2º trimestre, 19,6 no 3º e 11,5% no 4º trimestre. Em contrapartida, o desempenho das exportações foi mais volátil, com expansão no 1º, 2 e 4 º trimestres (+4,3% e +6,9%, respectivamente) e quedas nos 2º e 3º  trimestres (de -2,2% e -1,2%, respectivamente).





Consequente, a corrente de comércio de bens somou US$ 580 bilhões em 2023, um recuo de 4,7% frente a 2022, quando ela atingiu seu recorde histórico (US$ 607 bilhões). Em porcentagem do PIB,  a corrente de comércio recuou de 31% em 2022 para 27% do PIB em 2023.



Principais destinos das exportações de bens


Considerando os dois principais importadores de produtos brasileiros (China e Estados Unidos), a participação no total aumentou de 38,1% em 2022 para 42% em 2023, o que significa um aumento da concentração das exportações brasileiras por países de destino.  

Em 2023, a China manteve-se como principal destino das exportações brasileiras de bens, posição ocupada desde 2009. Sua participação no total aumentou para 30,7% em 2023 contra 26,8% em 2022, reflexo do avanço de 16,6% das nossas vendas externas para esse país, praticamente retornando ao patamar de 2021 (31,3%). Este avanço está associado à aceleração de crescimento com o abandono da política do Covid-zero e a políticas monetárias e fiscais expansionistas.

Os Estados Unidos também mantiveram sua posição de segundo principal destino das exportações brasileiras de bens, mas nossas vendas externas para a principal economia do mundo recuaram 1,5% em 2023 (contra um avanço de  20,2% em 2022),  apesar do maior dinamismo do PIB americano em 2023 frente a 2022. Com isso, sua participação recuou de 11,2% do total em 2022 para 10,9%.




As demais posições no ranking dos 15 principais destinos mantiveram-se constantes entre 2021 e 2022, com variações não expressivas em termos de participação no total. Contudo, houve mudanças, muitas vezes significativas, nas taxas de crescimento das vendas brasileiras para esses 13 destinos, mas que não foram suficientes para promover uma “dança das cadeiras” pois as respectivas participações no total são pequenas.

Vale mencionar a desaceleração das exportações para os 3º e 4º destinos de bens brasileiros: de 29,2% para 8,9% no caso da Argentina num contexto de intensificação da crise econômica e aumento das barreiras às importações; e de 28% para 1,5% no caso dos Países Baixos, porta de entrada das exportações brasileiras para a União Europeia, cujo crescimento desacelerou em 2023 frente a 2022.




Desempenho por grandes setores



Em 2023 como um todo, o desempenho medíocre das exportações brasileiras de bens frente a 2022 (alta de somente 1,7%) decorreu, sobretudo, da queda dos preços das commodities e seus derivados, já que o quantum exportado avançou 8,7% contra 4,3% em 2022.

A agropecuária teve o melhor desempenho entre os 3 grandes setores, com uma alta de 9% do valor das exportações, pois a deflação das cotações das commodities exportadas pelo setor não foi suficiente para anular o avanço de 26,4% do quantum exportado associado à supersafra agrícola e ao aumento da demanda da China. A maior demanda chinesa também contribuiu, embora em menor intensidade, para desempenho positivo das exportações dos setor extrativo, cujo valor aumentou 3,5% e quantum 16,2%.

Em contrapartida, as vendas externas da indústria de transformações recuaram 2,3% sob o efeito negativo tanto dos preços como do quantum exportado, que recuou 0,9%. A perda de dinamismo do comércio mundial ainda não se refletiu numa queda expressiva da demanda externa por nossos bens manufaturados devido à defasagem entre os contratos de exportações e os embarques




Consequentemente, embora tenham seguido na liderança em termos de valor exportado, as exportações da indústria de transformação somaram US$ 177.189 milhões contra o recorde histórico de US$ 182.085 milhões em 2022. Todavia, sua participação no total manteve-se praticamente constante.

A agropecuária assumiu o segundo lugar no ranking dos grandes setores, com exportações de US$ 81.485 milhões devido ao seu melhor desempenho relativo em comparação à indústria extrativa, cujas vendas externas somaram US$ 78.835 milhões (contra, respectivamente US$ 75.326 milhões e US$ 76.298 milhões em 2022).